Da Conformidade Legal à Estratégia Fiscal: Gerenciando Riscos Psicossociais (NR-1/NR-17) para a Saúde Mental Integral

Postado em 23/10/2025
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Resumo:

 A atualização da NR-1 elevou a Gestão de Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho (FRPRT) à categoria de obrigação legal no Brasil, exigindo que o PGR considere as condições de trabalho nos termos da NR-17 (Ergonomia).
A má gestão desses riscos pode levar ao adoecimento, a afastamentos, ao encaminhamento ao INSS, à possível concessão do auxílio-doença acidentário (B-91). O registro desses eventos no histórico da empresa, por sua vez, leva à majoração do Fator Acidentário de Prevenção (FAP)
Esse aumento eleva a alíquota do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIILRAT), onerando a folha de pagamentos e a competitividade.
O gerenciamento de riscos é a principal defesa fiscal da empresa.
Uma gestão de excelência transcende a avaliação de risco e busca a Saúde Mental Integral, unindo a Identificação da Causa (os FRPRT derivados da organização do trabalho – exigência da NR-17) com a Avaliação do Sofrimento (o dano).
A intervenção mais eficaz é a correção da organização do trabalho. Isso garante: Contenção do Custo Previdenciário (redução do B-91), Blindagem Fiscal (pela geração de provas de compliance com NR-1 e NR-17) e Competitividade por meio da otimização tributária.
  

Introdução: Da Conformidade Legal à Gestão Integral da Saúde

 A Segurança e Saúde no Trabalho (SST) no Brasil atingiu um novo patamar de complexidade e responsabilidade com a atualização da Norma Regulamentadora n° 1 (NR-1). Essa evolução formalizou uma realidade há muito observada: a saúde ocupacional transcendeu a barreira dos riscos físicos, químicos e biológicos, integrando explicitamente os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho (FRPRT) ao rol de elementos que devem ser identificados, avaliados e gerenciados dentro do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
A NR-1, inclusive, exige que o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) observe as diretrizes da NR-17 (Ergonomia), que trata diretamente da adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, incluindo, essencialmente, a organização do trabalho.
A relevância dessa inclusão projeta-se diretamente sobre o custo previdenciário e a tributação das organizações. Riscos ocupacionais, em sentido amplo, são a gênese de agravos à saúde. Especificamente, os riscos psicossociais – resultantes de uma organização, cultura ou ambiente de trabalho tóxico – são catalisadores para doenças como estresse crônico, ansiedade e depressão.
Quando um colaborador apresenta sintomas decorrentes de um ambiente de trabalho desfavorável, ele pode ser afastado e encaminhado ao INSS. Se na perícia médica se estabelecer o nexo causal entre o adoecimento e a atividade laboral, o benefício concedido será o auxílio-doença acidentário (B-91).
É neste ponto que a prevenção falha se converte em ônus fiscal. A concessão do B-91 é um indicador negativo que impacta diretamente o Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Um FAP majorado eleva a alíquota do GIILRAT, aumentando, assim, a tributação da empresa.
Portanto, a preocupação com o tributo majorado, que onera o orçamento e compromete a competitividade, deve iniciar na origem do problema: o gerenciamento dos riscos psicossociais exigido pela NR-1 e detalhado pela NR-17. A gestão efetiva desses riscos é um imperativo de compliance legal e, simultaneamente, um mecanismo de defesa fiscal.
O desafio central que se apresenta é: Como ir além da mera conformidade legal e efetuar um gerenciamento de riscos psicossociais que sirva como pilar para uma política genuína de Saúde Mental Integral?
  

A Distinção Crucial: Da Avaliação de Fator de Risco à Saúde Mental como um Todo

O cerne da gestão eficaz reside em entender a diferença entre o foco obrigatório da NR-1 (gestão de fatores de riscos) – pautado nas exigências ergonômicas da NR-17 – e o objetivo superior de qualquer política de recursos humanos (saúde integral). A melhor gestão deve, sim, considerar a saúde mental como um todo, pois esta abordagem é mais robusta, humana e completa do que simplesmente avaliar os Fatores de Risco.
Embora intimamente ligados, eles representam dois níveis de ação: um foca nas causas organizacionais (a organização do trabalho, em termos da NR-17), e o outro aborda o bem-estar integral (o ser humano).

 

1. Foco na Prevenção Primária: A Gestão de Fatores de Riscos (Obrigação Legal)
A gestão dos FRPRT é uma abordagem da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) que se apoia fundamentalmente na Ergonomia (NR-17). Seu foco é organizacional e sistêmico, atuando nas condições que têm o potencial de causar dano.
  • Abordagem: Atua na estrutura e organização do trabalho (alta demanda, falta de autonomia, ineficácia da liderança, ambiguidade de papéis).
  • Intervenção: Busca a modificação do ambiente para eliminar ou reduzir as fontes de estresse (ex: reestruturação de jornada, treinamento de líderes), cumprindo o espírito da NR-17 em adaptar o trabalho ao homem.
  • Limitação: Se limita ao ambiente laboral. Se uma pessoa está adoecida por problemas laborais, familiares ou financeiros, a gestão de FRPRT, isoladamente, não oferece o suporte necessário.
 
 2. Foco no Cuidado Integral: A Saúde Mental como um Todo (O Objetivo Estratégico)
A abordagem da saúde mental integral é mais ampla e se estende além dos muros da organização. Ela reconhece o trabalhador como um ser biopsicossocial, cujo bem-estar é moldado por fatores no trabalho e na vida pessoal (família, histórico de saúde, eventos de vida).
  • Abordagem: Atua no indivíduo e seu contexto (resiliência, histórico de saúde mental, problemas pessoais).
  • Intervenção: Oferece promoção do bem-estar (wellness) e cuidado secundário/terciário (ex: Programas de Apoio ao Empregado – PAE, convênios terapêuticos).
  • Vantagem Estratégica: Ao integrar o cuidado, a empresa fortalece a resiliência e o engajamento, minimizando o impacto de fatores de risco não-ocupacionais.
  

A Gestão que Vai Além do Risco: Unindo Causa e Efeito

A abordagem mais completa e cientificamente fundamentada utiliza a avaliação de riscos para corrigir a organização do trabalho (a causa) e a avaliação de danos para direcionar o cuidado (o efeito).
A gestão não se limita a uma única ferramenta, mas a uma abordagem estratégica que se torna abrangente ao diferenciar a identificação da causa e a avaliação do efeito:
  • Identificação dos Fatores de Risco (A Causa Sistêmica): Ferramentas específicas de risco psicossocial, como o COPSOQ, mapeiam as deficiências na organização do trabalho (ex: carga excessiva, má comunicação), como exigido pela NR-17. O objetivo é atuar na origem do problema, modificando o ambiente.
  • Avaliação do Sofrimento (O Efeito e o Cuidado): Instrumentos de rastreio, como o SRQ-20 (sofrimento psíquico), o DASS-21 (severidade da depressão, ansiedade e estresse) e o WHOQOL-bref (qualidade de vida/bem-estar), medem o impacto.
A verdadeira eficácia se dá na correlação. Não basta saber que há alta demanda (dado de risco) ou que há alta ansiedade (dado de dano); é preciso correlacionar como exemplo: A alta ansiedade se concentra no setor com maior demanda e menor autonomia.
A “lavagem mental” (mental washing) ocorre quando a empresa investe apenas no cuidado individual (yoga, PAE), ignorando a causa estrutural. Uma gestão verdadeiramente integral e ética faz o caminho inverso: primeiro, cumpre seu dever de corrigir os sistemas e processos (prevenção primária de FRPRT), garantindo um trabalho digno, e só então complementa com o suporte e cuidado à saúde mental dos indivíduos.
A correção da organização do trabalho – em conformidade com a Ergonomia (NR-17) – é, portanto, a maior e mais eficaz política de saúde mental que uma empresa pode adotar, sendo a base que sustenta todos os demais programas de bem-estar.

 

Vantagens da Gestão de Riscos Psicossociais na Ótica Tributária

 As vantagens dessa gestão sob a ótica tributária são diretas e estratégicas:
A gestão proativa e eficaz dos Riscos Psicossociais, potencializada por ferramentas como o SIGOMIND disponibiliza, transforma o requisito legal da NR-1 em um investimento estratégico com retorno em economia tributária e aumento da competitividade.
1, Contenção do Custo Previdenciário (FAP): O gerenciamento de riscos psicossociais atua na causa raiz do adoecimento, reduzindo drasticamente a incidência de afastamentos e o registro de auxílios-doença acidentários (B-91). Essa prevenção é vital para manter o FAP reduzido, gerando uma economia substancial no GIILRAT.
2. Blindagem Fiscal e Defesa do B-91: A metodologia consistente de avaliações não se limita a identificar riscos, mas estabelece um ciclo de gestão completo que se transforma em retaguarda probatória.
a) Geração de Provas de Gestão: Após a detecção de qualquer risco psicossocial, o sistema exige e documenta os planos de ação para sua mitigação (ex: treinamentos de liderança, ajustes de jornada, melhoria na comunicação). São esses planos de ação, devidamente implementados e registrados, que constituem as provas documentais e científicas da diligência e do compliance da empresa perante a NR-1.
b) Proteção Tributária e Sustentação da Contestação: Em caso de afastamento do colaborador e concessão de benefício acidentário, a empresa utiliza esse histórico de gestão — a prova de que o risco foi identificado e ativamente combatido — como ferramenta para contestar o nexo causal presumido pelo INSS, se cabível. A conversão do afastamento para a modalidade comum (B-31) impede que ele seja contabilizado no histórico, blindando a empresa contra a majoração da alíquota do FAP e, consequentemente, do GIILRAT.
3. Maior Competitividade: Ao evitar a majoração do GIILRAT sobre a folha de pagamentos, a organização garante um custo de mão de obra mais estável e competitivo. A gestão dos riscos psicossociais, portanto, não é apenas um imperativo de bem-estar, mas o primeiro e mais eficiente passo para a otimização tributária e a sustentabilidade financeira da empresa.
   

Conclusão

 Em suma, a inclusão dos FRPRTs no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) pela NR-1, em alinhamento com as diretrizes de Ergonomia e Organização do Trabalho da NR-17, demarca um ponto de inflexão na Saúde e Segurança do Trabalho brasileira. A gestão de riscos não é mais um diferencial, mas um imperativo de compliance com profundas implicações fiscais.
O grande aprendizado dessa evolução normativa é que a melhor gestão de FRPRT é aquela que transcende a mera avaliação de risco e adota uma visão de Saúde Mental Integral. Isso implica ir além do cuidado individual (“mental washing”) para focar, primariamente, na correção da organização do trabalho – a verdadeira causa sistêmica do adoecimento.
Ao utilizar um conjunto de ferramentas que correlacionam fatores de risco (causa) com os indicadores de sofrimento (dano), a organização não apenas cumpre seu dever legal, mas alcança vantagens estratégicas inegáveis. A gestão proativa e documentada blinda a empresa contra a majoração do FAP e do GIILRAT, contendo o custo previdenciário (concessão do B-91) e fornecendo retaguarda probatória para defesa fiscal.
Em última análise, a correção da organização do trabalho materializa a responsabilidade ética com a saúde mental do trabalhador. É por meio da mitigação eficaz desses riscos psicossociais que a empresa pavimenta o caminho para a otimização tributária e a garantia da sustentabilidade financeira, provando que o investimento no bem-estar humano é, intrinsecamente, a melhor decisão de negócios.

 

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Médico Especialista em Otorrinolaringologia. Mentor Intelectual do software SIGOWEB, aplicação na web destinada à Gestão da SST, eSocial, GRO/PGR, Gestão do FAP e atual Diretor de Inovações.

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