Resumo
O artigo discute o vácuo regulatório e tecnológico na gestão de riscos psicossociais e ergonômicos no Brasil, detalhando 12 “utopias” que impedem a conformidade real das empresas. A exigência da NR-01 (GRO/PGR) e NR-17 se choca com a tripla escassez de recursos das PMEs (dados, pessoal e orçamento) e com a fragmentação de sistemas das grandes corporações.
O problema central reside na transição de “O Quê” (conhecer a obrigação legal) para “O Como” (executar a estratégia). A maioria das empresas falha na execução, recorrendo ao “achismo” no Inventário de Riscos do PGR quando deveriam usar avaliações técnicas de Análises ergonômicas preliminares (AEPs) e Fatores de riscos psicossociais (FRPs), o que levanta sérias questões éticas e de responsabilidade legal.
As utopias incluem a inviabilidade de mapear riscos psicossociais manualmente, a precariedade dos canais de denúncia, a impossibilidade de manter dashboards complexos e, crucialmente, a ausência de softwares de SST que integrem as funcionalidades para AEPs e pesquisas de FRPs.
A única solução para transformar essas obrigações em uma realidade de Compliance é através da adoção de softwares de SST especializados e acessíveis. Tais soluções devem utilizar Inteligência Artificial (IA) para:
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Automatizar Avaliações Técnicas: Realizar a elaboração de AEPs e a aplicação/cálculo de inventários psicossociais e FRPs de forma automática e escalável.
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Gerar Insights Preditivos: Cruzar dados escassos (eSocial, afastamentos) para prever passivos trabalhistas e crises de saúde mental.
Somente a tecnologia integrada pode superar as barreiras de dados e recursos, permitindo que as empresas cumpram as exigências legais de forma ética e eficiente.
Introdução
Na teoria, as estratégias modernas de Compliance e Bem-Estar são pilares de excelência corporativa. Na prática do mercado brasileiro, a lista a seguir representa um conjunto de 12 utopias que enfrentam severos desafios em empresas de todos os portes. A realidade é que a obrigação legal de gerenciar os riscos psicossociais, conforme a nova NR-01 (através do GRO/PGR), expôs uma vulnerabilidade crítica: embora as PMEs sofram com a escassez tripla (falta de dados confiáveis de SST, ausência de recursos humanos dedicados e escassez orçamentária), mesmo as grandes corporações enfrentam a precariedade de dados legados e a fragmentação de sistemas.
Abordar essas estratégias sem o suporte de tecnologia acessível é confrontar a realidade com idealismo. A exigência da NR-01 de incorporar os riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) não pode ser cumprida sem dados e expertise. A maioria das PMEs e mesmo muitas grandes Organizações não tem como validar, auditar ou até mesmo coletar informações sobre estresse, assédio ou sobrecarga, tornando a conformidade legal uma mera intenção. Nas grandes empresas, o desafio reside ainda na integração de dados confiáveis de saúde mental com seus robustos (mas muitas vezes desconectados) sistemas de Compliance.
Para que essas estratégias deixem de ser um fardo inalcançável e se transformem em realidade, é imperativo que o mercado adote soluções que criem esses dados de Compliance de forma automatizada e acessível, eliminando a dependência da escassa mão de obra especializada e superando a fragmentação sistêmica que afeta todos os níveis corporativos.
A Diferença Entre “O Quê” e “O Como”: Do Conhecimento à Prática
É altamente recomendável que profissionais sem formação específica no tema — indo além dos psicólogos organizacionais — busquem ativamente conhecimento sobre o psicossocial por meio de cursos, palestras, lives e workshops. Adquirir essa base é essencial para entender, por exemplo, como realizar avaliações de fatores de riscos psicossociais que permitam cumprir a exigência legal da NR-01 e implementar processos eficazes de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) focados na saúde mental dos colaboradores.
A esse processo inicial — que envolve conhecer o que é e o que deve ser feito para atender à legislação e proteger o bem-estar — denominamos “O Quê”.
O processo seguinte, e crucial, é a etapa do “O Como”. Ele representa a continuidade do conhecimento teórico, mas focado em definir e executar como aplicar na prática as estratégias e conhecimentos adquiridos. É na transição do saber para o fazer que a maioria das empresas falha.
É nesse ponto, no “O Como”, que se manifestam os 12 gargalos listados a seguir, os quais se constituem em obstáculos práticos que impedem a aplicação real e sistêmica das políticas de Compliance e Bem-Estar.
As 12 Estratégias Inaplicáveis para PMEs e Muitas Grandes Organizações
1. Mapeamento de riscos psicossociais com apoio do Compliance: Essa é a primeira utopia. Em PMEs, não há estrutura formal de Compliance, e o profissional de SST frequentemente não possui o tempo ou a formação necessária para aplicar, tabular e analisar os inventários científicos exigidos para a gestão de riscos psicossociais. Consequentemente, a estratégia manual é inviável e a conformidade com a NR-01 se torna uma mera intenção.
Para concretizar essa obrigação legal, existe uma necessidade crítica de soluções sistêmicas. O caminho é o software que automatize a tarefa repetitiva, utilizando algoritmos e Inteligência Artificial (IA) para aplicar, calcular e gerar o diagnóstico de risco psicossocial de forma automática, precisa e escalável, eliminando a dependência da escassa mão de obra especializada.
2. Canais de denúncia humanizados e com retorno estruturado: O canal de denúncia é informal, muitas vezes se resumindo ao próprio gestor ou ao RH sobrecarregado. Sem um sistema robusto, não há confidencialidade atestada e, consequentemente, o retorno estruturado de casos é inexistente. Na essência, essa ferramenta é reativa, pois só atua depois que o problema (assédio, abuso) já ocorreu. O desafio é que o canal de denúncias precisa ser complementado por soluções proativas que atuem na fonte dos problemas. É preciso ir além da mera escuta: é necessário que a tecnologia cruze os relatos recebidos com os dados de risco psicossocial (já mapeados pelo sistema), identificando padrões de comportamento e focos geográficos de risco antes que a crise escale. O software deve agir como um radar preditivo, transformando o dado reativo em um insight preventivo para o Compliance.
3. Treinamentos integrados sobre ética, saúde mental e segurança psicológica: A prioridade orçamentária e de tempo é o treinamento legal básico (CIPA, uso de EPIs). Não há recurso disponível para capacitações avançadas e multidisciplinares sobre temas considerados “soft” como empatia e segurança psicológica.
4. Indicadores de integridade e bem-estar (Dashboards complexos): Exigir dashboards que cruzem dados de clima organizacional, absenteísmo e denúncias é impraticável. A empresa mal consegue consolidar dados de folha de pagamento, e o investimento em ferramentas de Business Intelligence e analistas está fora da realidade orçamentária.
5. Apoio à liderança para gestão ética e emocionalmente inteligente: Líderes são promovidos pela competência técnica, e não por habilidades emocionais. Não há recurso para a formação de líderes “conscientes”; a prioridade é a produtividade, e não a gestão ética e emocional das equipes.
6. Comitês Multidisciplinares de Crise e Ética: Não existe sequer um Comitê de RH/Jurídico integrado. A gestão de crise é reativa e feita por quem está disponível, sem a formalidade ou a multidisciplinaridade necessária para tratar crises complexas de SST e conduta.
7. Auditoria de Cultura e Clima Organizacional: O investimento em auditoria se limita ao financeiro e fiscal. Investir em auditoria de cultura é visto como um custo intangível e não essencial, ignorando o risco reputacional e o passivo trabalhista.
8. Integração de Dados de eSocial com o Compliance: Os dados de SST (CATs e ASOs) enviados ao eSocial são frequentemente gerados por planilhas ou sistemas desconectados, resultando em baixa confiabilidade ou, na maioria das vezes, na inexistência de registros atualizados. A integração formal com o Compliance para avaliar o risco é impossível devido à má qualidade ou à ausência da fonte de dados.
9. Programas de Saúde Mental (EAP) com Confidencialidade Atestada: A criação e a manutenção de um Programa de Assistência ao Empregado (EAP) com a robustez necessária para garantir total confidencialidade e Compliance é complexa e oneroso, inviável para pequenos orçamentos de benefícios.
10. Mapeamento de Jornada do Colaborador com Foco em Riscos: A jornada do colaborador é apenas uma sucessão de eventos operacionais. Mapear cada ponto de contato (admissão, avaliação, desligamento) para identificar riscos de assédio ou sobrecarga exige um framework de GRC complexo que a empresa não tem capacidade de desenvolver ou sustentar.
11. Avaliações de fatores de riscos psicossociais abordados dentro da NR 17: Os fatores de riscos psicossociais (FRP) estão contemplados na NR-17 dentro do item “Organização do trabalho”. Este item abrange aspectos cruciais como normas de produção, exigências de tempo, ritmo de trabalho, conteúdo das tarefas e fatores cognitivos que possam afetar a saúde e a segurança do trabalhador.
A avaliação desses tópicos é inicialmente realizada pela AEP, cuja metodologia de aplicação não é legalmente padronizada na NR-17. O mesmo ocorre com a pesquisa da “Organização do trabalho” (que identifica os FRP). Consequentemente, a escolha das ferramentas para conduzir tanto a AEP quanto a avaliação dos FRP é prerrogativa do profissional responsável.
Para fins de Compliance Legal, é imperativo que ambas as avaliações existam, visto que a dos FRPs se insere no escopo da AEP e não pode ser tratada de forma segmentada.
Para garantir a efetividade e a rastreabilidade dessas avaliações, a utilização de recursos informatizados é imprescindível. Em outras palavras, é uma necessidade crítica que os softwares de SST forneçam funcionalidades integradas para a elaboração e o gerenciamento de riscos ergonômicos que obrigatoriamente contemplem aquelas direcionadas às avaliações dos Fatores de Riscos Psicossociais.
É importante ressaltar, contudo, que muitos softwares de SST existentes no mercado ainda não foram desenvolvidos com essa visão integrada e podem não fornecer aos seus clientes soluções robustas e interligadas para a AEP e os FRP, criando um gap tecnológico na conformidade com a NR-17.
12. Os resultados das avaliações dos FRP e das AEP devem integrar o inventário de riscos do PGR: Os resultados das AEPs e das FRPs são elementos cruciais que devem obrigatoriamente integrar o Inventário de Riscos do PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos).
Quando as AEPs e as FRPs não são devidamente realizadas, simplesmente não existem resultados confiáveis para documentação. Isso cria uma situação análoga a arbitrar o nível de ruído ocupacional sem usar qualquer equipamento de medição – o valor inserido no sistema é puramente aleatório.
O mesmo se aplica aos riscos ergonômicos e psicossociais “detectados” sem fundamentação tecnológica ou metodológica. A lacuna funcional existente em muitos softwares de SST — utilizados tanto por empresas quanto por prestadores de serviço — induz à “metodologia do achismo”. Nela, a técnica é usada para atribuir riscos ocupacionais que, na essência, nunca foram corretamente avaliados.
Essa prática não apenas compromete a eficácia dos programas de prevenção, mas levanta sérias questões metodológicas, éticas e de responsabilidade legal. Ao se informar no PGR um risco que não foi objeto de pesquisa correta ou avaliação técnica, a empresa está documentando uma inverdade que pode gerar passivos trabalhistas significativos e minar a credibilidade de toda a gestão de Saúde e Segurança do Trabalho.
Conclusão: A Superação das 12 Utopias pela Tecnologia Sistêmica
As 12 utopias listadas demonstram que a conformidade com as novas exigências legais, especialmente a gestão robusta dos riscos psicossociais e ergonômicos da NR-01 (PGR/GRO) e NR-17, é inviável para a maioria do mercado. Esta inviabilidade atinge tanto as PMEs – esmagadas pelo custo e pelo esforço manual — quanto as grandes corporações, paralisadas pela fragmentação de dados e pela dependência do “achismo” onde deveria haver avaliação técnica.
A única forma de transformar essas obrigações de um fardo inalcançável em uma realidade de Compliance é através da adoção de recursos sistêmicos especializados e acessíveis. É imperativo o uso de softwares de SST que sejam vocacionados a fornecer Compliance de forma simples, integrada e financeiramente viável.
Esses softwares devem ser projetados para pensar pelo usuário. Em vez de exigir que o gestor contrate especialistas caros para alimentar o sistema, o diferencial tecnológico deve residir em:
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Automatização de Tarefas Repetitivas e Avaliações Técnicas: Algoritmos que permitam a elaboração e o gerenciamento de Avaliações Ergonômicas Preliminares (AEPs) e facilitem a aplicação e o cálculo automático de inventários e pesquisas de Fatores de Riscos Psicossociais (FRPs) validados.
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Geração de Insights Preditivos: O emprego da Inteligência Artificial (IA) para cruzar dados escassos ou legados (como os de afastamentos, eSocial e sistemas de benefícios) e prever o risco de crises de saúde mental ou passivo trabalhista, sugerindo planos de ação focados e de baixo custo.
Somente ao alavancar a tecnologia integrada para gerar insights automáticos e auditar a conformidade de ponta a ponta é que as empresas, de fato, conseguirão cumprir as exigências legais de forma ética e eficiente, protegendo seus colaboradores e superando as barreiras de dados e recursos que hoje transformam a gestão de riscos em uma mera intenção.